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Artigo Gazeta do Povo: A Ferroeste fora dos trilhos

Um dos grandes desafios da economia brasileira é diminuir a dependência do transporte rodoviário de cargas. Atualmente, 75% do escoamento da produção é feito por caminhões. Depois 9,2% segue por vias marítimas, 5,8% é aérea e apenas 5,4% é transportado por trilhos. Os dados, que são da Fundação Dom Cabral, preocupam, na medida que grande parte dessa produção é de commodities, e deveria estar acomodada em vagões, reduzindo o custo Brasil.

Mas para que esse cenário seja invertido, é preciso investimento em infraestrutura. A possibilidade de privatização da Ferroeste é uma oportunidade de retomada em aportes em ferrovias no Paraná, e, portanto, uma boa notícia para a economia do estado. A empresa, que tem como principal acionista o Governo paranaense, não tem mais condições de manter a operação. O sucateamento é generalizado e a expectativa de investimento estatal é praticamente nula. A Ferroeste está, definitivamente, fora dos trilhos.

Além da falta de recurso, o histórico da empresa demonstra total inaptidão do Estado para tocar o negócio. Foram 12 anos de prejuízo (no acumulado, são R$115 milhões de déficit). Os equipamentos estão ultrapassados e não conseguem atender à demanda. Hoje, a Ferroeste opera com apenas 20% da sua capacidade.

O trecho é relativamente curto: 248 quilômetros de trilhos que levam a produção de Cascavel à Guarapuava. Porém, está estrategicamente posicionado em um dos principais corredores do agronegócio brasileiro, podendo ligar a produção do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e até mesmo do Paraguai, ao Oceano Atlântico. Propósito da “nova Ferroeste” que ainda não chegou nem ao projeto de viabilidade. O objetivo é construir uma estrada que vai ligar Dourados – MT à Paranaguá.

As cargas hoje são basicamente de grãos, mas há potencial para produtos industrializados e toda a produção animal que está basicamente concentrada nessa região. A grande questão agora é qual é a melhor forma de fazer o processo. Uma das grandes discussões do setor férreo é o direito de passagem, que é a liberação para que outras empresas percorram o trecho administrado pela detentora da concessão. Essa liberação colabora na concorrência do setor e na diminuição dos valores de transporte, algo urgente no Brasil. Sem esse direito de passagem, as linhas se tornam ilhas férreas, dependentes de negociações caras para terem acesso ou aos produtores ou aos Portos.

A privatização da Ferroeste é uma oportunidade para alinhar essa questão com os investidores interessados. Hoje, as cargas vindas do Oeste dependem da autorização e negociação com a concessionária Rumo, que detém a concessão do restante dos trilhos que chegam à Paranaguá. O contrário também é verdadeiro, a Rumo precisa da Ferroeste para pegar as cargas na origem. Depois de inúmeras brigas jurídicas, recentemente, as duas operadoras entraram em acordo. A cooperação já trouxe bons resultados para ambas.

Mas a grande questão é que o Estado tem urgência por investimentos em infraestrutura. Esse é o maior entrave econômico atual. Somos uma potência agropecuária que não consegue entregar sua produção com a mesma eficiência que a produz. Tomar decisões estratégicas que tragam investimento para o Estado, é, sem dúvida, uma decisão acertada.

Lucas Lautert Dezordi, é doutor em Economia, sócio da Valuup Consultoria, economista-chefe da Trivèlla M3 Investimentos e professor da Universidade Positivo.

Esse texto foi publicado originalmente na Gazeta do Povo. Confira.

Artigo Gazeta do Povo: O problema estrutural por trás do leilão da Norte-Sul

Em maio do ano passado, durante a greve dos caminhoneiros, a dependência da cadeia produtiva nacional em relação ao transporte rodoviário ficou evidente. Essa grande concentração no movimento de cargas em caminhões mostrou a necessidade urgente de buscar a diversificação dos modais de transporte e as ferrovias se fazem essencial neste processo. Devido à atual crise fiscal enfrentada, os recursos governamentais direcionados aos investimentos em infraestrutura minguaram e, portanto, escancararam a necessidade da injeção de capital da iniciativa privada.

O leilão realizado em 28 de março foi um sucesso em termos financeiros. A Rumo venceu o certame referente a um trecho de 1.537 quilômetros da ferrovia Norte-Sul, pagando um ágio de 100,92%. Ademais, durante os 30 anos da concessão, a empresa deverá investir R$ 2,72 bilhões em melhorias.

Mas o resultado positivo do leilão não pode esconder um problema crônico no Brasil: a falta de planejamento e gestão de projetos consistentes para investimento de longo prazo. A oferta da Ferrovia Norte-Sul, espinha dorsal do sistema ferroviário nacional, esconde um problema estrutural que limita o aumento da concorrência no processo licitatório. Justifico: como o trecho não tem acesso direto ao mar, a concessionária terá que utilizar duas outras linhas, operadas pela VLI e Rumo. No projeto licitatório, o governo garante por cinco anos a passagem e, depois desse período, o novo operador privado deverá solicitar e negociar o “direito de passagem”. As tarifas relacionadas ao direito de passagem das concessões adjacentes podem tornar o investimento menos rentável e prejudicar a operação, pois grande parte da produção transportada pelo eixo Norte-Sul envolve regiões exportadoras de grãos e fardos de celulose e necessitam de um desembarque final em algum porto.

Que investidor, seja estrangeiro ou não, estaria interessado em fazer esse formato de negócio com o governo brasileiro nessas condições? Não fica difícil concluir que seria uma disputa bilateral entre as duas operadoras que já atuam nas ferrovias brasileiras e que são detentoras das estradas de ferro que dão acesso ao porto.

Não vamos entrar no mérito das empresas – elas estão em seus direitos e aproveitando de suas vantagens, como é justo e próprio da iniciativa privada. O problema não está na empresa e sim no modelo, não percamos o foco. Há discussões judiciais e suspeitas de favorecimentos, mas a discussão aqui é puramente econômica e sobre as necessidades brasileiras, portanto, os aspectos legais e ilações sobre corrupção ficaram fora desta análise.

Este é o primeiro leilão de ferrovia em mais de dez anos. Em um país agrícola, esse dado é desolador. É muito caro transportar commodity por rodovias, o lugar dos grãos é no vagão. Mas estamos demorando muito para entender isso. E quando se faz algo, como é o caso da concessão da Norte-Sul, se faz mal feito. E aí chegamos no centro da discussão: a falta de concorrência nos trilhos. Uma única empresa, no caso a vencedora, poderá colocar seus vagões para rodar – o que torna o transporte ferroviário, em muitos casos, mais caro que o rodoviário. É inconcebível.

Enquanto o mundo caminha para o compartilhamento, o Brasil concede mais de 1.500 quilômetros de malha ferroviária sem direito de passagem por 30 anos. Isso reforça as ilhas de trilhos que temos pelo país. Sem direito de passagem, umas pelas outras, as operadoras não conseguem completar o ciclo logístico por trilhos – e aí tudo acaba caindo nas rodovias novamente.

Segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 30% da malha ferroviária está inutilizada e não tem condição de entrar em operação sem investimento em manutenção. São 28,2 mil quilômetros de trilhos, sendo que 8,6 mil estão enferrujando, à espera dos trens. Grande parte pelo impedimento de passagem e pela impossibilidade de interconexão das malhas. Neste cenário, temos a criação das ilhas de ferro. Aí criamos uma logística ultrapassada que não consegue encerrar seu ciclo e concluir a prestação de serviço. Segundo o estudo, atualmente, apenas 8% das operações são compartilhadas.

Assim, o que deveria significar um grande avanço logístico, infelizmente não terá grande impacto na infraestrutura do país. A concorrência nos trilhos não será estimulada da forma que deveria e as cargas continuarão, na sua maioria, circulando por rodovias. Serão mais 30 anos de mão atadas para a modernização e expansão das ferrovias brasileiras neste trecho.

Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo