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Recuperação da Economia Brasileira

O desempenho da atividade econômica pode ser analisado pelos fatores da oferta ou demanda agregada. O Gráfico 1 destaca o desempenho do PIB, no acumulado de 12 meses, pelos segmentos da oferta. O PIB registra uma retração de 3,8%, muito influenciado pela recessão recorde do segundo semestre do ano passado, período mais crítico da pandemia. O setor da agropecuária foi destaque positivo, com crescimento de 2,3% anualizado. A forte demanda mundial por grãos, carnes e derivados puxaram as exportações e o segmento. As atividades do comércio e indústria tiveram um desempenho melhor do que o PIB, beneficiando-se do avanço do e-commerce e dos preços internacionais das commodities: minério de ferro (aço), petróleo e madeira, por exemplo. A indústria extrativa foi destaque positivo no início do ano, com ampliação da produção e dos investimentos.

 
Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais.
Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais.

Nos trimestres anteriores à pandemia, o PIB da construção mostrava baixo dinamismo e, por esse motivo, em 12 meses a atividade está em queda de 6,9%. Porém, cabe destacar que o setor está se recuperando, com crescimento no 1ºT/2021 na ordem de 2,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior (Gráfico 3). O setor de serviços com queda de 4,5% anualizada e representando cerca de 60% do PIB foi severamente afetado pelas restrições de mobilidade social e do elevado desemprego do trabalho informal. Dessa forma, uma recuperação mais robusta da economia brasileira passa necessariamente pelo avanço no processo de vacinação. Com isso, esperamos uma retomada mais consistente do setor de serviços nos próximos trimestres, em especial durante o segundo semestre (Gráfico 4).

Pela ótica da demanda, o destaque positivo em 12 meses está na formação bruta de capital fixo, com avanço de 2,0%. O volume de investimento no 1º trimestre em relação ao trimestre imediatamente anterior cresceu 4,6% (Gráfico 3), indicando um maior gasto das empresas na compra de novas máquinas e equipamentos. As exportações caíram pouco durante a pandemia em virtude da forte valorização das commoditiese indicam um crescimento no trimestre de 3,7%. O consumo das famílias representa 60% do PIB e sua queda de 5,7% em 12 meses (Gráfico 2) dificulta o registro de uma retomada mais robusta. Os dados do 1º trimestre de 2021 mostram uma estabilidade no consumo, e o maior desafio da economia consiste em estimular esse crescimento, com uma maior recuperação no mercado de trabalho e na renda real. 

 
          Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais.

Os fortes dados dos investimentos nas empresas mostram que o PIB, no 1º trimestre, foi puxado por fatores da oferta agregada. Dados divulgados pelo IBGE demonstram que o nível dos estoques (matérias-primas, produtos em elaboração ou acabados) foi de R$ 83,9 bilhões, representando 4,1% do PIB. Foi um maior nível percentual da série histórica das contas nacionais. Variações positivas nos estoques indicam uma recuperação econômica. Por exemplo, em 2010, quando o PIB cresceu 7,5%, a variação positiva nos estoques atingiu cerca de 1,3% do PIB, mas com forte crescimento no consumo das famílias.

2ª Fase da Reforma Tributária e seus impactos nas corporações

O governo federal entregou, na última sexta-feira (25/06), ao Congresso uma nova etapa da Reforma Tributária. O texto da segunda fase abordará os seguintes temas para as pessoas jurídicas (PJ):

  1. redução da alíquota do imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) de 25% para 22,5% em 2022 e de 20% a partir de 2023;
  2. o fim do benefício fiscal gerado pelo pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP); e
  3. criação de um novo imposto de 20% sobre os dividendos.

Os analistas do BTG realizaram um exercício com 150 empresas brasileiras sob cobertura do Banco. Assumiram que as empresas não mudarão seus pagamentos de dividendos atuais e que a proposta enviada ao Congresso não sofra modificações (normalmente o texto é modificado pelo Legislativo). O gráfico a seguir mostra os setores mais afetados.

Fonte: BTG Pactual, Brazil Strategy, 28 June 2021, p. 4. Modificado.

As empresas que pagam muito JCP irão sofrer mais, com uma perda de lucro de cerca de 5% a 9%. São empresas dos setores de Alimentação & Bebida, Telecomunicação, Bancos e Mineração & Siderurgia.

Por sua vez, as empresas dos setores de Infraestrutura, Aluguel de Automóveis, Bens de Capital, Petróleo & Gás e Agronegócio tendem a aumentar seus rendimentos entre 6% a 8% em 2023. São empresas que não pagam JCP e se beneficiarão da redução da alíquota do IRPJ.

Contudo, todas as empresas serão afetadas pela criação do novo imposto de 20% dobre os dividendos. Atualmente, a Receita Federal não tributa distribuição de lucros. Com esse novo imposto, as empresas de grande porte terão maior incentivo fiscal para reinvestir e ampliar seu apetite por aquisições de novos negócios. É uma forma de ampliar a poupança doméstica da economia e expandir a formação de capital, ou seja, o crescimento econômico.

Ampliar a tributação sobre o lucro distribuído é uma forma de equilibrar o sistema tributário entre a renda do trabalho com a do acionista. Contudo, a grande desigualdade social gerada pela tributação regressiva no Brasil encontra-se sobre os impostos indiretos. Ou seja, enquanto não avançarmos em uma redução expressiva dos tributos sobre bens e serviços, nosso sistema tributário continuará infringido o Princípio da Equidade das finanças públicas.


Mercado de carros no Brasil

Uma discussão dos números recentes do mercado.

A pandemia trouxe um nível de incerteza econômico elevadíssimo. Os agentes econômicos realizaram seus movimentos de proteção, vendendo ativos de risco e demandando moeda precaucional. O excesso de poupança, aliado à queda na velocidade de circulação da moeda, tornou possível o aumento significativo da liquidez internacional, sem gerar pressões persistentes sobre a inflação. O Gráfico 1 descreve um comportamento nunca visto em toda a história recente do capitalismo: um nível de taxa de poupança das famílias acima de 15% de sua renda pessoal disponível. Um aumento realmente sem precedentes da poupança precaucional, aliado aos generosos programas de transferências governamentais, e um mercado de crédito desaquecido. Em março de 2020, quando a economia mundial parou, a taxa de poupança registrou uma marca de 33,7%, fazendo com que a velocidade de circulação da moeda (M2) caísse de 1,38 no primeiro trimestre para 1,10 no período seguinte, e assim permanecesse.

Muitos brasileiros são apaixonados por carros. O sonho do carro novo faz parte do imaginário de inúmeras pessoas, mesmo havendo uma crescente onda pela adesão de meios alternativos de transporte. O carro era e ainda é um item de consumo bastante estimado e que reflete desejos, status, prazeres e mais uma série de apreços emocionais.

Porém, desde o início da pandemia, os carros têm se tornado mais caros e mais raros de serem encontrados. O mercado de usados voltou a se reaquecer e, para alguns carros novos, há fila de espera. Boa parte desse problema pode ser explicada pela crise de oferta de produtos e insumos que o país vem enfrentando desde o último trimestre de 2020. Os preços dos insumos, ligados à cadeia produtiva dos veículos, disparou; praticamente todos os componentes foram afetados.

Segundo os dados extraídos da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), houve o licenciamento de 142,7 mil carros em maio/21, a produção de 141,7 mil e a exportação de 36,9 mil automóveis. Esses números são, respectivamente, 28%, 38% e 12% inferiores se comparados a maio/19. Entretanto, superiores a maio/20, o segundo pior mês da história recente da indústria de veículos de passeio nacional.

Analisando os últimos dez anos da indústria de veículos de passeio, observa-se um primeiro momento de queda, que vai de junho/12 a dezembro/15, um período de estabilidade em 2016, seguido de uma lenta retomada a partir de janeiro/17 até dezembro/19. Em 2020 observamos a formação de um “vale”.

A curva de licenciamentos de carros foi superior à produção até fevereiro/15, devido à importação de veículos e câmbio favorável. Após esse período a tendência se inverte, e a produção (linha azul) ultrapassa os licenciamentos (linha laranja), movimento que segue assim desde então, salvo raras exceções. Em outras palavras, as exportações de veículos superaram as importações desde fevereiro/16.

Desde dezembro/20 a produção de carros de passeio no país aponta para baixo (linha azul), com uma fraca recuperação da exportação, e o número de licenciamentos andando de lado. O fato é que produção e licenciamentos andam juntos, mas chamamos atenção para a curva de produção com viés de baixa. A falta de veículos pode estar relacionada ao saldo de veículos importados e exportados, que vem caindo ano após ano (estamos exportando mais e importando menos), o que estaria sendo suportado pelos estoques das montadoras já em baixa.

Se analisarmos o período acumulado entre janeiro e maio de cada ano, observamos que, em 2021, foram produzidos 756 mil carros. Desconsiderando 2020, esse é o pior ano desde 2017 (que já não era bom) quando a produção foi de 897 mil carros. Já os licenciamentos (linha laranja) foram quase os mesmos em 2021 e 2017, com 680 mil carros. Acontece que, em 2017, exportamos, entre janeiro e maio, mais de 300 mil carros (linha roxa), contra apenas 166 mil em 2021.

Em 2021 observa-se uma recuperação da indústria de veículos de passeio se comparado a 2020, se é que é possível comparar com 2020! Porém, sobretudo em relação à produção, estamos ainda 140 mil carros abaixo de 2017, o que representa uma queda de 15%.

Sem dúvida, os efeitos da pandemia são sentidos na quebra da cadeia de fornecimento de insumos e peças para a indústria, no repasse de preços via commodities e variação cambial, ajustando tais impactos através de preços dos veículos.

Fatores de risco inflacionário

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), na última reunião, em aumentar a taxa básica de juros da economia de 2,75% para 3,50% está alinhada com as estimativas de mercado e dentro de um cronograma de normalização da política monetária com o atual processo inflacionário. Ou seja, um movimento correto e necessário para sinalizar o compromisso do Banco Central (BC) com a estabilidade de preços. É claro que o aumento dos juros não é desejado, ainda mais em um período de recuperação de nossa economia. Contudo, a inflação mais alta e persistente prejudica a renda do trabalhador e a capacidade produtiva ao longo do tempo. Será pior para a economia como um todo.

Em linhas gerais, podemos destacar três fatores de riscos inflacionários. O primeiro deles é mundial. A forte recuperação das economias desenvolvidas alinhadas com expansões fiscais e monetárias sem precedentes, alimentam a forte demanda internacional por grãos, proteínas, celulose, minérios, puxando os preços internacionais dos insumos básicos. Por exemplo, nos EUA, onde a vacinação está avançando rapidamente, os preços no setor manufatureiro do Instituto de Gestão de Fornecimento (ISM) aumentaram 37% entre dezembro de 2020 e maio de 2021, indicando um maior risco para a inflação. Mesmo com um mercado de trabalho ocioso, esse risco no curto prazo poderá pressionar os juros internacionais para cima, dificultando o controle de preços doméstico.

O segundo fator refere-se à evolução das finanças públicas. Em recente Relatório de Inflação (março), o BC projeta um cenário alternativo de maior risco fiscal, com deterioração das contas públicas e dificuldade no avanço das reformas. Utilizou como referência a recente crise fiscal iniciada em 2014, a qual gerou uma maior percepção internacional de default nas principais agências de risco. Com efeito, a economia brasileira apresentou uma depreciação cambial, contribuindo para a elevação dos preços domésticos.

A Autoridade Monetária apresenta um cenário de inflação preocupante decorrente do aumento do risco fiscal. O descolamento das projeções inicia no quarto trimestre de 2021 e atinge um ápice no terceiro trimestre de 2022, com uma inflação de 5,7% para este ano e 5,9% para o próximo. O mais importante desse exercício é esclarecer que a deterioração das contas públicas afetará a dinâmica de médio e longo prazos da inflação, contaminando as expectativas dos agentes de mercado.

Por último, o risco da inflação inercial se intensifica com o aumento das expectativas de inflação, reportadas no Relatório Focus. Os analistas esperam um IPCA para 2021 em cerca de 5,2%, isto é, no limite superior à meta de inflação. Para 2022, o mercado espera uma inflação um pouco acima da meta de 3,50%. Alguns fatores recentes estão alimentando a alta nas expectativas. As condições climáticas de maior estiagem aumentam as projeções de preços de energia e alimentação. Alguns analistas estão considerando bandeira tarifária vermelha 1 para dezembro; e revisão para cima em suas projeções de alimentação no domicílio, com aumento nos preços de grãos e cereais – componentes relevantes na composição do IPCA.

Com isso, os maiores riscos inflacionários mundiais e nacionais prescrevem uma atuação mais conservadora do Copom, o qual tem como objetivo principal manter as expectativas de inflação de curto e médio prazos do mercado ancoradas às metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Reforço que, com inflação sob controle e reformas importantes do estado brasileiro, teremos uma capacidade de crescimento de longo prazo mais vigorosa em nossa economia.

*Lucas Lautert Dezordi, é doutor em Economia, sócio da Valuup Consultoria, economista-chefe da TM3 Capital e professor da Universidade Positivo.

*Artigo publicado na Gazeta do Povo em 10/05/2021

Número de Recuperações Judiciais tem menor nível dos últimos 5 anos. O que será de 2021?

No mês passado (jan/21), a Serasa Experian divulgou os dados de insolvência consolidados de 2020. Analisando os dados disponibilizados, o número de Recuperações Judiciais deferidas em 2020 foi o menor nos últimos cinco anos conforme gráfico a seguir:

Fonte: Serasa. Elaborado por Valuup.

Ou seja, não podemos concluir que a pandemia por que estamos passando foi um agravante no mercado de insolvência.

Para entendermos melhor o que está ocorrendo atualmente, é importante olharmos para crises passadas. Ao observarmos o número de Recuperações Judiciais deferidas no ano de 2014, por exemplo, ano de crise econômica, percebemos que ocorreu uma menor quantidade de deferimentos do que em 2013. Apenas em 2015 esse número aumentou, tendo seu ápice em 2016, com 1.514 RJs deferidas.

Adentrando um pouco mais na economia brasileira, é notória a força dos bancos de primeira linha e, quando analisamos seus relatórios, podemos prever uma série de movimentos a partir dos dados apresentados por eles.

O aumento no número de RJs referidas não pareceu surpresa para os bancos uma vez que estes conseguem demonstrar suas expectativas de futuras do Mercado de Insolvência através de suas Provisões de Perdas, que representam o montante que os bancos não esperam recuperar de seus inadimplentes no ano.

Fonte: Serasa e Bancos (Itaú, Santander e Bradesco). Elaborado por Valuup.

Essa questão torna-se evidente ao observarmos que, a partir de 2013, a Provisão de Perdas dos bancos inicia um processo de subida, que se destaca entre 2014 e 2015, alcançando um primeiro pico em 2016 para, posteriormente, ter uma pequena queda, indicando que as expectativas foram ajustadas.

Em 2018 a Provisão de Perdas dos bancos volta a crescer, porém de maneira controlada e estável. No ano de 2020, como demonstra o gráfico, os bancos voltam para uma forte Provisão de Perdas. Logo, estão esperando um ano difícil no mercado de NPL (Non-Performing Loan).

Uma vez que os bancos tiveram suas provisões elevadas, fizemos a regressão linear das Recuperações Judiciais deferidas nos últimos dez anos, para projetar qual seria o número de RJs nos próximos anos e chegamos ao seguinte resultado:

Fonte: Serasa e Bancos (Itaú, Santander e Bradesco). Elaborado por Valuup.

Portanto, podemos esperar uma elevação nos casos de Recuperação Judicial no ano de 2021, principalmente em comparação com o ano anterior. E, pelo que tudo indica, podendo ter patamares parecidos com os de 2015 e 2016 nos próximos dois anos, como reflexo da crise econômica que está em curso.

Referências:

Bradesco. Relação com Investidores: Relatórios. Disponível em: <https://www.bradescori.com.br/informacoes-ao-mercado/relatorios-e-planilhas/relatorios/>. Acesso em: 27 jan. 2021.

Banco Central. Estudos Especiais Banco Central: Fechamento de Empresas na Pandemia. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE099_Fechamento_de_empresas_na_pandemia.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2021.

Serasa Experian. Indicadores Econômicos: Recuperações Judiciais Deferidas. Disponível em: <https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/indicadores-economicos/>. Acesso em: 27 jan. 2021.

Itaú. Relação com Investidores: Resultados. Disponível em: <https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/listresultados.aspx?idCanal=lyyjtVJ4BExsF2fi1Kfy0Q==>. Acesso em 27 jan. 2021.

Santander. Relação com Investidores: Resultado. Disponível em: <https://www.santander.com.br/ri/resultados>. Acesso em: 27 jan. 2021.

Perspectivas para a Economia Brasileira e Mundial: 2021

A sustentabilidade da recuperação da atividade econômica 

A economia mundial entrou em recessão severa no primeiro semestre de 2020. O distanciamento social, em virtude do avanço da pandemia, gerou quedas expressivas na atividade produtiva. O Gráfico 1 descreve o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) em países selecionados, tendo como base de referência o nível de atividade no 4º trimestre de 2019 (pré-Covid). Pelo fato de o início da pandemia ter ocorrido na China, sua economia sofreu de forma mais severa no 1º trimestre, recuperando-se surpreendentemente no período seguinte enquanto a economia global desabava. A retração econômica na Índia e no México foi de 25% e 17%, respectivamente, em apenas um trimestre. Nesse mesmo período, a economia brasileira seguiu a tendência dos EUA e Europa, com queda de cerca de 10% do PIB.


Fonte: OECD (2020), Quarterly GDP (indicator).

É importante destacar que a economia chinesa está um passo à frente dos movimentos econômicos da pandemia. E, apesar de ela ter subido exatamente no 2º trimestre, seu nível de atividade produtiva ficou relativamente estagnado no 3º trimestre. Durante o processo de recuperação, o Banco Popular da China identificou que as famílias, as quais sofreram com a perda da renda, terão uma maior propensão a poupar e, com isso, estão encontrando uma maior dificuldade para expandir o consumo das famílias e investimentos das empresas. Ou seja, uma recuperação mais plena da economia mundial dependerá, certamente, de novos estímulos econômicos, em especial o fiscal.

Essa recuperação dependerá do avanço de um amplo programa de vacinação aliado aos pacotes fiscais. O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, sinalizou para o avanço nessa estratégia. As discussões no Congresso e Senado dos EUA indicam, em uma etapa inicial, um pacote fiscal para o início de 2021 na ordem de US$ 908 bilhões. Seus recursos estariam direcionados para um Pacote de Proteção ao Salário (30%), seguro-desemprego adicional, incluindo US$ 300 semanais até março (20%), ajuda a governos estaduais (18%), distribuição de vacinas (2%), suporte às companhias aéreas (2%) e demais programas (28%).

Paralelamente ao pacote norte-americano, é fundamental acompanharmos a relação EUA-China no cenário internacional. Entendemos que uma ação conjunta das duas maiores economias pode ajudar na recuperação mundial. Em especial, nossa atenção está voltada para o anúncio de estímulos fiscais da economia chinesa quando o País passar a anunciar uma maior meta de déficit fiscal para 2021. Atualmente o déficit público está em cerca de 3,6% do PIB. Espera-se um anúncio de déficit para o próximo ano de pelo menos 1 ponto percentual do PIB. Apesar de o consumo e exportações terem apresentado forte recuperação no terceiro trimestre de 2020, há uma preocupação em relação aos investimentos em infraestrutura e manutenção na geração de emprego de qualidade para sustentar o consumo das famílias.

A tabela a seguir destaca as perspectivas de crescimento mundial do PIB para 2020 e 2021 conforme projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional). Um crescimento de 5,2% para a economia mundial em 2021, com destaque positivo para os mercados emergentes (6,0%).


Fonte: FMI, projeções de outubro.

Entretanto, mesmo com o avanço dos pacotes fiscais nos EUA e China, as perspectivas para nossa economia são de retomada mais moderada. Segundo o Relatório Focus, de 4 de dezembro de 2020, o mercado espera uma expansão do PIB de apenas 3,50%. Isto é, abaixo da retomada dos países emergentes. Cabe ressaltar que o atual processo inflacionário de alimentos tende a se dissipar ao longo do primeiro semestre de 2021, com uma taxa de câmbio mais próxima de R$ 5,00 por dólar. O IPCA deve ficar entre 3,40%, com uma maior pressão de preços administrados, em especial nos setores de energia, combustíveis, transportes públicos e saneamento.

A notícia boa é que nossa economia vai avançar em seu processo de recuperação, mas tudo indica que em um ritmo inferior aos dos países emergentes.

E agora, com o futuro definido, o que muda na economia?

Com um cenário político definido, a economia começa a se ajustar a nova realidade e já é possível fazer algumas projeções. Vamos aos fatos.

O anúncio da redução dos ministérios e, por consequência, o enxugamento da máquina pública trouxe um horizonte otimista. Essa é uma das ações para a meta, bem audaciosa por sinal, de zerar o déficit fiscal primário já em 2019, que hoje está na casa dos R$ 140 bilhões.

Essa diferença, entre a arrecadação e despesas públicas (excluindo gastos com juros), quando expressiva, aumenta a dinâmica da dívida pública sobre o PIB. Para sermos mais diretos, pagamos 7,2% do PIB com essa conta. E é essa sangria que o futuro governo precisa estancar.

É um longo caminho até lá. A redução dos gastos públicos é um bom sinal, mas é mais um símbolo positivo que um efeito prático, pois os valores economizados não serão, nem de longe, suficientes para equilibrar as contas, mas sem dúvidas não deixa de ser uma parte importante.

A grande expectativa ainda é a Reforma da Previdência. Empresários e investidores estão ansiosos para saber que desfecho o novo governo dará para esse dramalhão brasileiro que vem se arrastando. Mas há muitos personagens envolvidos para que o enredo chegue ao clímax: Congresso e Senado precisam estar de acordo.

Outra possibilidade já aventada por membros do novo governo seria viabilizar o leilão do excedente da cessão onerosa, que poderia arrecadar aproximadamente R$ 100 bilhões em troca de contratos para exploração de petróleo no pré-sal.

Se tudo isso se concretizar? Como os efeitos positivos chegarão na economia? Um sintoma importante e prático poderá ser a redução dos juros reais para financiamentos a longo prazo do déficit do Tesouro Nacional. Se a equipe econômica conseguir estabelecer ações para que essas taxas baixem para a casa dos 4% seria o ideal. Hoje, as Notas do Tesouro Nacional (NTN-B) com vencimento em 2035 estão pagado juros reais de 5,2% ao ano.

Um impacto direto seria no setor da construção civil, pois financiamentos de longo prazo estão ligados à infraestrutura e aquisição de imóveis, principalmente. A retomada na demanda dessas atividades seria fundamental para reestabelecer a economia brasileira, combatendo a elevada taxa de desemprego.

As promessas são animadoras, mas agora se espera a parte prática e o resultado das ações. Aguardemos.

A alta do dólar e expectativas para a economia brasileira

Lucas Lautert Dezordi
Doutor em Economia e Sócio da Valuup Consultoria.

O mês de setembro foi marcado pelo rompimento da barreira de R$ 4,00 o preço do dólar. A última vez que a moeda estrangeira tinha registrado um valor tão elevado tinha sido no período 2002/03, durante a campanha eleitoral presidencial e a vitória do governo Lula para a Presidência. No primeiro mandato de Lula, os mercados foram estabilizados a partir de um forte ajuste fiscal, via superávit primário de 4,25% do PIB. Esses esforços em conjunto a uma política monetária contracionista conseguiram estabilizar a inflação e colocar novamente a economia brasileira em uma trajetória de crescimento sustentável, baseada na expansão do mercado doméstico.

Mas agora, o que podemos esperar de nossa economia?

 

alta-dolar-valuupNossa situação é muito mais delicada em virtude da forte instabilidade política, provocada pelas relações muitos conflituosas entre o Executivo (governo do PT) e o Legislativo (liderados pelo PMDB). Para ilustrar como esse ambiente hostil vem afetando a economia brasileira, desenvolvemos uma simples figura, destacando as inter-relações entre a política, o orçamento e os mercados.

tabela

Com a forte instabilidade política observada na esfera Federal, o Executivo não consegue aprovar medidas de redução do déficit público e sofre com as pautas-bombas apresentadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. É importante registrar que o orçamento público brasileiro está em frangalhos. Refrescando alguns números, temos que até 2013, o Brasil operava com um déficit público/PIB na ordem de 3,5%; em 2014 esse valor passou para 6,7%; e em 2015 estamos operando com um déficit na ordem de 7% do PIB. No dia 31 de agosto de 2015, quando o Executivo enviou ao Congresso um projeto de Lei Orçamentária para 2016 com uma projeção de déficit público de 8%, o mercado financeiro reagiu abruptamente: queda da nota de Investimento da S&P (aumento do risco país) e fortíssima pressão sobre o mercado de divisas.

O impacto imediato de um dólar mais forte e ultrapassando com folga a barreira dos R$4,00 é uma deterioração das expectativas inflacionárias. Uma economia com forte pressão inflacionária irá exigir o aumento nas taxas de juros de mercado (DI futuro), jogando a economia em uma severa recessão econômica. Infelizmente, estamos vivenciando uma situação de grande desequilíbrio orçamentário, com dominância fiscal. O pior de tudo é que os aumentos dos juros a partir desse estágio terão pouco ou nenhuma influência sobre a dinâmica inflacionária, a qual ganhou força e combustível oriundo do desequilíbrio fiscal. Essa situação é insustentável e perversa. Caso o setor público torne-se mais complacente com o déficit público/PIB crescente iremos ver no Brasil um colapso no mercado de crédito e uma recessão muito mais profunda, similar a observada nos países europeus durante a crise financeira internacional.

Neste sentido, torna-se fundamental o reestabelecimento das forças políticas do Executivo e Congresso para trabalharem em conjunto com o intuito de estabilizarem e reduzirem o déficit público cíclico o mais rápido possível. Não há mais tempo para brincar de política econômica, tornando-se um líder político irresponsável. O mercado não vai perdoar!