Recuperação da Economia Brasileira

O desempenho da atividade econômica pode ser analisado pelos fatores da oferta ou demanda agregada. O Gráfico 1 destaca o desempenho do PIB, no acumulado de 12 meses, pelos segmentos da oferta. O PIB registra uma retração de 3,8%, muito influenciado pela recessão recorde do segundo semestre do ano passado, período mais crítico da pandemia. O setor da agropecuária foi destaque positivo, com crescimento de 2,3% anualizado. A forte demanda mundial por grãos, carnes e derivados puxaram as exportações e o segmento. As atividades do comércio e indústria tiveram um desempenho melhor do que o PIB, beneficiando-se do avanço do e-commerce e dos preços internacionais das commodities: minério de ferro (aço), petróleo e madeira, por exemplo. A indústria extrativa foi destaque positivo no início do ano, com ampliação da produção e dos investimentos.

 
Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais.
Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais.

Nos trimestres anteriores à pandemia, o PIB da construção mostrava baixo dinamismo e, por esse motivo, em 12 meses a atividade está em queda de 6,9%. Porém, cabe destacar que o setor está se recuperando, com crescimento no 1ºT/2021 na ordem de 2,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior (Gráfico 3). O setor de serviços com queda de 4,5% anualizada e representando cerca de 60% do PIB foi severamente afetado pelas restrições de mobilidade social e do elevado desemprego do trabalho informal. Dessa forma, uma recuperação mais robusta da economia brasileira passa necessariamente pelo avanço no processo de vacinação. Com isso, esperamos uma retomada mais consistente do setor de serviços nos próximos trimestres, em especial durante o segundo semestre (Gráfico 4).

Pela ótica da demanda, o destaque positivo em 12 meses está na formação bruta de capital fixo, com avanço de 2,0%. O volume de investimento no 1º trimestre em relação ao trimestre imediatamente anterior cresceu 4,6% (Gráfico 3), indicando um maior gasto das empresas na compra de novas máquinas e equipamentos. As exportações caíram pouco durante a pandemia em virtude da forte valorização das commoditiese indicam um crescimento no trimestre de 3,7%. O consumo das famílias representa 60% do PIB e sua queda de 5,7% em 12 meses (Gráfico 2) dificulta o registro de uma retomada mais robusta. Os dados do 1º trimestre de 2021 mostram uma estabilidade no consumo, e o maior desafio da economia consiste em estimular esse crescimento, com uma maior recuperação no mercado de trabalho e na renda real. 

 
          Fonte: IBGE, Contas Nacionais Trimestrais.

Os fortes dados dos investimentos nas empresas mostram que o PIB, no 1º trimestre, foi puxado por fatores da oferta agregada. Dados divulgados pelo IBGE demonstram que o nível dos estoques (matérias-primas, produtos em elaboração ou acabados) foi de R$ 83,9 bilhões, representando 4,1% do PIB. Foi um maior nível percentual da série histórica das contas nacionais. Variações positivas nos estoques indicam uma recuperação econômica. Por exemplo, em 2010, quando o PIB cresceu 7,5%, a variação positiva nos estoques atingiu cerca de 1,3% do PIB, mas com forte crescimento no consumo das famílias.

2ª Fase da Reforma Tributária e seus impactos nas corporações

O governo federal entregou, na última sexta-feira (25/06), ao Congresso uma nova etapa da Reforma Tributária. O texto da segunda fase abordará os seguintes temas para as pessoas jurídicas (PJ):

  1. redução da alíquota do imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) de 25% para 22,5% em 2022 e de 20% a partir de 2023;
  2. o fim do benefício fiscal gerado pelo pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP); e
  3. criação de um novo imposto de 20% sobre os dividendos.

Os analistas do BTG realizaram um exercício com 150 empresas brasileiras sob cobertura do Banco. Assumiram que as empresas não mudarão seus pagamentos de dividendos atuais e que a proposta enviada ao Congresso não sofra modificações (normalmente o texto é modificado pelo Legislativo). O gráfico a seguir mostra os setores mais afetados.

Fonte: BTG Pactual, Brazil Strategy, 28 June 2021, p. 4. Modificado.

As empresas que pagam muito JCP irão sofrer mais, com uma perda de lucro de cerca de 5% a 9%. São empresas dos setores de Alimentação & Bebida, Telecomunicação, Bancos e Mineração & Siderurgia.

Por sua vez, as empresas dos setores de Infraestrutura, Aluguel de Automóveis, Bens de Capital, Petróleo & Gás e Agronegócio tendem a aumentar seus rendimentos entre 6% a 8% em 2023. São empresas que não pagam JCP e se beneficiarão da redução da alíquota do IRPJ.

Contudo, todas as empresas serão afetadas pela criação do novo imposto de 20% dobre os dividendos. Atualmente, a Receita Federal não tributa distribuição de lucros. Com esse novo imposto, as empresas de grande porte terão maior incentivo fiscal para reinvestir e ampliar seu apetite por aquisições de novos negócios. É uma forma de ampliar a poupança doméstica da economia e expandir a formação de capital, ou seja, o crescimento econômico.

Ampliar a tributação sobre o lucro distribuído é uma forma de equilibrar o sistema tributário entre a renda do trabalho com a do acionista. Contudo, a grande desigualdade social gerada pela tributação regressiva no Brasil encontra-se sobre os impostos indiretos. Ou seja, enquanto não avançarmos em uma redução expressiva dos tributos sobre bens e serviços, nosso sistema tributário continuará infringido o Princípio da Equidade das finanças públicas.


Fatores de risco inflacionário

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), na última reunião, em aumentar a taxa básica de juros da economia de 2,75% para 3,50% está alinhada com as estimativas de mercado e dentro de um cronograma de normalização da política monetária com o atual processo inflacionário. Ou seja, um movimento correto e necessário para sinalizar o compromisso do Banco Central (BC) com a estabilidade de preços. É claro que o aumento dos juros não é desejado, ainda mais em um período de recuperação de nossa economia. Contudo, a inflação mais alta e persistente prejudica a renda do trabalhador e a capacidade produtiva ao longo do tempo. Será pior para a economia como um todo.

Em linhas gerais, podemos destacar três fatores de riscos inflacionários. O primeiro deles é mundial. A forte recuperação das economias desenvolvidas alinhadas com expansões fiscais e monetárias sem precedentes, alimentam a forte demanda internacional por grãos, proteínas, celulose, minérios, puxando os preços internacionais dos insumos básicos. Por exemplo, nos EUA, onde a vacinação está avançando rapidamente, os preços no setor manufatureiro do Instituto de Gestão de Fornecimento (ISM) aumentaram 37% entre dezembro de 2020 e maio de 2021, indicando um maior risco para a inflação. Mesmo com um mercado de trabalho ocioso, esse risco no curto prazo poderá pressionar os juros internacionais para cima, dificultando o controle de preços doméstico.

O segundo fator refere-se à evolução das finanças públicas. Em recente Relatório de Inflação (março), o BC projeta um cenário alternativo de maior risco fiscal, com deterioração das contas públicas e dificuldade no avanço das reformas. Utilizou como referência a recente crise fiscal iniciada em 2014, a qual gerou uma maior percepção internacional de default nas principais agências de risco. Com efeito, a economia brasileira apresentou uma depreciação cambial, contribuindo para a elevação dos preços domésticos.

A Autoridade Monetária apresenta um cenário de inflação preocupante decorrente do aumento do risco fiscal. O descolamento das projeções inicia no quarto trimestre de 2021 e atinge um ápice no terceiro trimestre de 2022, com uma inflação de 5,7% para este ano e 5,9% para o próximo. O mais importante desse exercício é esclarecer que a deterioração das contas públicas afetará a dinâmica de médio e longo prazos da inflação, contaminando as expectativas dos agentes de mercado.

Por último, o risco da inflação inercial se intensifica com o aumento das expectativas de inflação, reportadas no Relatório Focus. Os analistas esperam um IPCA para 2021 em cerca de 5,2%, isto é, no limite superior à meta de inflação. Para 2022, o mercado espera uma inflação um pouco acima da meta de 3,50%. Alguns fatores recentes estão alimentando a alta nas expectativas. As condições climáticas de maior estiagem aumentam as projeções de preços de energia e alimentação. Alguns analistas estão considerando bandeira tarifária vermelha 1 para dezembro; e revisão para cima em suas projeções de alimentação no domicílio, com aumento nos preços de grãos e cereais – componentes relevantes na composição do IPCA.

Com isso, os maiores riscos inflacionários mundiais e nacionais prescrevem uma atuação mais conservadora do Copom, o qual tem como objetivo principal manter as expectativas de inflação de curto e médio prazos do mercado ancoradas às metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Reforço que, com inflação sob controle e reformas importantes do estado brasileiro, teremos uma capacidade de crescimento de longo prazo mais vigorosa em nossa economia.

*Lucas Lautert Dezordi, é doutor em Economia, sócio da Valuup Consultoria, economista-chefe da TM3 Capital e professor da Universidade Positivo.

*Artigo publicado na Gazeta do Povo em 10/05/2021

Vacinação e a atividade econômica no segundo semestre

No Brasil, março deste ano foi o pior mês da pandemia. Esta segunda onda (ou segundo pico), como está sendo chamada, vem superando em larga escala a fase inicial da doença em nosso país. Para uma base comparativa, durante a primeira onda, em junho de 2020, o número de óbitos estimado era de 1.000 pessoas por dia. Apenas em março de 2021, o país registrou mais de 66 mil óbitos, ou seja, uma média diária de aproximadamente 2,1 mil mortes. O número de casos ativos também aumentou, pressionando o sistema de saúde de vários estados. A lotação nos leitos de UTI de hospitais e a utilização das UPAs para atendimento de pacientes geraram a necessidade, nos governos estaduais e municipais, de decretar as bandeiras vermelha ou roxa. 

Com efeito direto, a maior restrição na circulação de pessoas impactou negativamente a atividade econômica, que continuará fraca durante este primeiro semestre de 2021. Contudo, o país avançou na campanha de imunização. Estima-se que, só em março, 11,7 milhões de pessoas receberam a primeira dose da vacina. Com o avanço da vacinação e consequente imunização da população brasileira, o retorno da mobilidade social terá impacto positivo sobre nossa economia, principalmente a partir do segundo semestre.

O gráfico a seguir descreve o avanço diário da doença no Brasil desde seu início em fevereiro de 2020. A transmissão da Covid-19 segue a mesma sazonalidade de outras doenças respiratórias, como a H1N1 e a gripe Influenza. Durante o início do outono e fim do inverno de 2020, o número de óbitos manteve-se elevado – cerca de 900 a 1.000 mortes diárias. A média móvel (sete dias) de novos casos diários chegou a ser de 45 mil. Esses números começaram a ser reduzidos com mais intensidade a partir de setembro, diminuindo para cerca de 500 o número de óbitos diários.

Gráfico 1 – Novos óbitos e média móvel da Covid-19 no Brasil 

Fontes: Twitter: @coronavirusbra1 e @covid19BrBot.

O avanço da Covid-19 no Brasil teve seu pico no mês de março de 2021. Os novos casos passaram de uma média móvel (sete dias) diária de 45 mil, em fevereiro, para 77 mil em março, pressionando o sistema de saúde público e privado. Como consequência, vários estados e municípios decretaram as bandeiras vermelha e roxa. A mobilidade social foi severamente restringida. Serviços e atividades não essenciais foram fechados ou tiveram sua atuação bastante restrita. Por isso, esperamos uma atividade econômica mais fraca durante o primeiro semestre.

Destaca-se que, no dia 31 de março, o país registrou o recorde de óbitos diários (3,9 mil), foi o pico. Felizmente, a média móvel (sete dias) está em queda em abril. O sistema de saúde permanece extremamente pressionado, mas algumas cidades e estados estão começando a adotar a bandeira laranja, possibilitando, assim, uma maior mobilidade da população. O país enfrentará, nos próximos meses, o período de outono e inverno, estações de maior incidência de gripes e doenças respiratórias e, por isso, o avanço em massa da campanha de vacinação é a maior prioridade no combate à evolução da doença.

O gráfico a seguir destaca que março também foi o mês de maior número de pessoas vacinadas. Mais de 26 milhões de pessoas receberam a primeira dose, representando aproximadamente) 12,3% da população total do Brasil. Em média, o país aplicou cerca de 360 mil doses por dia e, desde janeiro, em torno de  285 mil por dia.

Gráfico 2 – Vacinação da Covid-19 no Brasil

Fontes: Twitter: @coronavirusbra1 e @covid19BrBot.

Tivemos notícias positivas nos últimos dias: o Ministério da Saúde anunciou a compra de 138 milhões de doses das vacinas contra Covid-19. Pelos contratos, serão 100 milhões de doses da Pfizer e 38 milhões de doses da Janssen, da Johnson & Johnson. A vacina da Janssen é aplicada em dose única e, no cronograma, está prevista a entrega de 16,8 milhões de doses até setembro e 21,1 milhões entre outubro e dezembro deste ano. A Pfizer pretende entregar o primeiro lote de 1 milhão de doses em abril, 2,5 milhões em maio, 10 milhões em junho, 10 milhões em julho, 30 milhões em agosto e 46,5 milhões em setembro. 

Desde 25 de março, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem recebendo remessa de insumos da China para a fabricação de 12 milhões de doses da vacina contra a Covid-19. O último lote será entregue no início de abril e o material será processado em Bio-Manguinhos, na Fiocruz. O mais importante é que, a partir do segundo semestre, com a incorporação da tecnologia do IFA, a Fiocruz prevê entregar mais 110 milhões de doses.

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem contratado, com diferentes laboratórios, o recebimento de cerca de 562 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 até o fim de 2021. A entrega da grande maioria das vacinas está prevista para o segundo semestre como também a sua aplicação. Se o Brasil avançar de modo eficaz na campanha de vacinação, a mobilidade social será mais flexível e a economia terá um impulso de retomada da atividade produtiva, em especial do setor de serviços.

Juros de 10 anos nos EUA: uma taxa livre de risco menor.

Uma das variáveis mais importantes para determinar a taxa de desconto dos fluxos projetados decorrentes de um estudo de valor (Valuation) consiste em determinar a taxa de juros de longo prazo de um título soberano, sem risco de default. O mais utilizado é o título público norte-americano de 10 anos, o T-Bond 10Y.

No ano de 2020, em virtude da pandemia, a taxa de juros de longo prazo caiu de 1,80% em janeiro para 0,60% em março, fechando o ano em 0,93%. A preocupação com os fatores recessivos e as incertezas em relação à consolidação da retomada da atividade produtiva mantiveram os juros em patamares historicamente baixos conforme demonstrado no gráfico.

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis.

Com a retomada mais forte da economia mundial e dos EUA, os preços das commodities foram pressionados e os juros, no início de 2021, subiram para 1,30%. Por exemplo, o preço do barril de petróleo (WTI) subiu de US$ 47 para US$ 60. É muito provável que os preços internacionais dos minérios, grãos, energia e alimentos continuem fortes. Esse fato se deve ao estímulo extremamente significativo do Fed (Banco Central dos EUA) ao avanço das campanhas de vacinação e à promessa de um pacote fiscal de cerca de US$ 1,9 trilhão.

Em outras palavras, com a retomada do mercado de trabalho norte-americano e uma pressão de preços de commodities, a taxa de juros de longo prazo tende a se normalizar a um patamar de equilíbrio sustentável. Esse valor tende a ser mais próximo de 2,0% ao ano; mas, provavelmente, apenas no final do ano de 2022. De fato, mais dois anos de juros baixos. Nesse sentido, os estudos de valores poderão se beneficiar de uma taxa de juros livre de risco, historicamente baixa, por um longo período.

Perspectivas para a Economia Brasileira e Mundial: 2021

A sustentabilidade da recuperação da atividade econômica 

A economia mundial entrou em recessão severa no primeiro semestre de 2020. O distanciamento social, em virtude do avanço da pandemia, gerou quedas expressivas na atividade produtiva. O Gráfico 1 descreve o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) em países selecionados, tendo como base de referência o nível de atividade no 4º trimestre de 2019 (pré-Covid). Pelo fato de o início da pandemia ter ocorrido na China, sua economia sofreu de forma mais severa no 1º trimestre, recuperando-se surpreendentemente no período seguinte enquanto a economia global desabava. A retração econômica na Índia e no México foi de 25% e 17%, respectivamente, em apenas um trimestre. Nesse mesmo período, a economia brasileira seguiu a tendência dos EUA e Europa, com queda de cerca de 10% do PIB.


Fonte: OECD (2020), Quarterly GDP (indicator).

É importante destacar que a economia chinesa está um passo à frente dos movimentos econômicos da pandemia. E, apesar de ela ter subido exatamente no 2º trimestre, seu nível de atividade produtiva ficou relativamente estagnado no 3º trimestre. Durante o processo de recuperação, o Banco Popular da China identificou que as famílias, as quais sofreram com a perda da renda, terão uma maior propensão a poupar e, com isso, estão encontrando uma maior dificuldade para expandir o consumo das famílias e investimentos das empresas. Ou seja, uma recuperação mais plena da economia mundial dependerá, certamente, de novos estímulos econômicos, em especial o fiscal.

Essa recuperação dependerá do avanço de um amplo programa de vacinação aliado aos pacotes fiscais. O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, sinalizou para o avanço nessa estratégia. As discussões no Congresso e Senado dos EUA indicam, em uma etapa inicial, um pacote fiscal para o início de 2021 na ordem de US$ 908 bilhões. Seus recursos estariam direcionados para um Pacote de Proteção ao Salário (30%), seguro-desemprego adicional, incluindo US$ 300 semanais até março (20%), ajuda a governos estaduais (18%), distribuição de vacinas (2%), suporte às companhias aéreas (2%) e demais programas (28%).

Paralelamente ao pacote norte-americano, é fundamental acompanharmos a relação EUA-China no cenário internacional. Entendemos que uma ação conjunta das duas maiores economias pode ajudar na recuperação mundial. Em especial, nossa atenção está voltada para o anúncio de estímulos fiscais da economia chinesa quando o País passar a anunciar uma maior meta de déficit fiscal para 2021. Atualmente o déficit público está em cerca de 3,6% do PIB. Espera-se um anúncio de déficit para o próximo ano de pelo menos 1 ponto percentual do PIB. Apesar de o consumo e exportações terem apresentado forte recuperação no terceiro trimestre de 2020, há uma preocupação em relação aos investimentos em infraestrutura e manutenção na geração de emprego de qualidade para sustentar o consumo das famílias.

A tabela a seguir destaca as perspectivas de crescimento mundial do PIB para 2020 e 2021 conforme projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional). Um crescimento de 5,2% para a economia mundial em 2021, com destaque positivo para os mercados emergentes (6,0%).


Fonte: FMI, projeções de outubro.

Entretanto, mesmo com o avanço dos pacotes fiscais nos EUA e China, as perspectivas para nossa economia são de retomada mais moderada. Segundo o Relatório Focus, de 4 de dezembro de 2020, o mercado espera uma expansão do PIB de apenas 3,50%. Isto é, abaixo da retomada dos países emergentes. Cabe ressaltar que o atual processo inflacionário de alimentos tende a se dissipar ao longo do primeiro semestre de 2021, com uma taxa de câmbio mais próxima de R$ 5,00 por dólar. O IPCA deve ficar entre 3,40%, com uma maior pressão de preços administrados, em especial nos setores de energia, combustíveis, transportes públicos e saneamento.

A notícia boa é que nossa economia vai avançar em seu processo de recuperação, mas tudo indica que em um ritmo inferior aos dos países emergentes.

Inflação dos Alimentos no Cenário Atual

A inflação do mês de setembro, no valor de 0,64%, ficou acima das expectativas. Em 12 meses, o IPCA acumulou uma alta de 3,14% e, no ano, 1,34%. O grupo que mais influenciou esse aumento foi alimentação no domicílio, com uma valorização de 9,17% no ano. A forte demanda internacional por commodities, em especial alimentos, vem pressionando alguns itens essenciais no consumo das famílias. A tabela a seguir destaca que óleo de soja (+51,29%), arroz (+40,67%), feijão (+34,48%) e leite longa vida (+30,39%) tiveram aumentos expressivos. Em paralelo, as exportações físicas de alimentos no acumulado de janeiro a setembro de 2020, em relação ao mesmo período do ano anterior, aumentaram significativamente, com arroz sem casca (+28,1%), soja (+30,3%), leite, creme de leite e laticínios (+24,1%). De fato, o avanço das exportações físicas e a forte valorização do dólar ampliaram o repasse de preços desses itens ao consumidor final, mesmo em um ambiente de recessão econômica.

Fontes: IBGE e Secretaria do Comércio Exterior.

Outra fonte de inflação preocupante para os índices de preços são os bens industriais, principalmente em virtude da valorização do minério de ferro no mercado internacional. As exportações de ferro-gusa, pó de ferro ou aço e ferro-ligas aumentaram em 32,7% entre janeiro a setembro de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. A falta de insumos na área industrial e embalagens estão dificultando a retomada da atividade produtiva. Contudo, em nosso cenário de referência esse choque é temporário, mas entender e acompanhar sua evolução é fundamental. Cabe destacar que maiores riscos inflacionários derivados de novas depreciações no Real podem alimentar o processo de reajustes de preços e prejudicar a manutenção da taxa de juros em patamares historicamente baixos. Dessa forma, a manutenção de uma Selic em níveis de aproximadamente 2,0% ao ano pode estar ameaçada caso ocorra uma contaminação da atual pressão de preços nas expectativas de inflação de longo prazo.

O gráfico a seguir descreve o forte aumento nas expectativas de inflação para o final de 2020 e sua influência na dinâmica do mercado de juros futuros DI, em especial nos contratos com vencimento em janeiro de 2023. Torna-se fundamental acompanhar e analisar os impactos de uma inflação maior no curto prazo na curva de juros futuros, pois uma maior pressão nos preços domésticos, aliada a uma taxa de câmbio desvalorizada, pode pressionar os juros de nossa economia gerando um maior desafio para o processo de reequilíbrio das contas públicas a partir de 2021.


Fontes: B3 e Focus/BCB.

Preocupações com a Economia Mundial

A sustentabilidade da recuperação da atividade econômica

Após seis meses do início da pandemia, as principais economias mundiais começaram a indicar uma recuperação mais consistente de suas atividades produtivas. É certo que os países enfrentaram seus períodos mais críticos de contaminação de forma heterogênea. Alguns governos adotaram medidas mais rígidas, outros foram mais flexíveis em relação ao distanciamento social. Em termos econômicos, contudo, a recuperação mundial está ocorrendo de forma mais rápida do que se imaginava. No entanto, indicadores do mercado de trabalho mostram que a retomada está ocorrendo de forma desequilibrada.

Na China, por exemplo, o lado da oferta se recuperou muito rapidamente e acima das previsões iniciais, mas a próxima etapa da consolidação depende do lado da demanda, principalmente do consumo das famílias. O isolamento social causou grandes perdas de renda para muitas famílias de menor poder aquisitivo que não foram compensadas pelos pagamentos de auxílio governamental. Durante o processo de recuperação, essas famílias terão uma maior propensão a poupar, conforme identificado pelo Banco Popular da China, seu banco central. Esse movimento cria uma preocupação adicional, pois restabelecer o nível de demanda para sustentar a rápida recuperação da oferta poderá ser mais complicado. 

Durante a Grande Depressão dos anos 1930, o economista inglês John M. Keynes chamou atenção para esse problema, intitulando-o como o paradoxo da parcimônia. Pela lógica convencional, aprendemos com o tio Patinhas (personagem de Walt Disney) que o excesso de poupança ajuda no enriquecimento das famílias. É claro que poupar e investir bem é fundamental para o acúmulo de riqueza econômica e financeira; porém, movimentos agregados de excesso de poupança, no curto prazo, são recessivos. A preocupação do pensamento keynesiano baseia-se no argumento central de que, em períodos de incerteza, o excesso de poupança das famílias dificulta a retomada da economia. Nesse caso, a melhor maneira de restabelecer o nível de demanda e sustentar uma recuperação consistente passa, necessariamente, por um programa de estímulos governamentais, sustentando o nível de renda disponível das famílias.

O choque econômico do bloqueio da Covid-19 recaiu mais pesadamente sobre as famílias de baixa renda, na China e em outros lugares, tal como nos EUA. Embora os funcionários administrativos pudessem trabalhar em casa e se isolar dos efeitos diretos do bloqueio, dezenas de milhões de trabalhadores na indústria e no varejo perderam semanas ou meses de renda. As horas pagas para os trabalhadores chineses e norte-americanos caíram em um ritmo nunca visto antes consumindo suas economias. Portanto, a retomada da renda poderá gerar uma necessidade racional de restabelecer seus níveis de poupança pré-Covid. 

Os países desenvolvidos vêm relatando uma recuperação mais rápida no nível de vendas de produtos de luxo, eletrônicos, material de construção e automóveis. Em compensação, a recuperação nas compras de vestuário, alimentos e serviços básicos mostrou-se mais estagnada. Nos EUA, a renda pessoal disponível (salário + assistência do governo + seguro-desemprego) caiu 2,7% em setembro comparado a julho. Ademais, a recuperação do mercado de trabalho no terceiro trimestre mostrou perder fôlego, trazendo preocupações quanto ao avanço do consumo das famílias nos próximos trimestres.

Nesse sentido, uma das formas de restabelecer com maior rapidez o nível de consumo das famílias de baixa renda requer a adoção de uma política governamental focada na redução da taxa de desemprego da força de trabalho. Por isso, os estímulos do novo pacote fiscal do Governo dos EUA buscarão injetar US$ 2,2 trilhões, evitando uma piora no desempenho do mercado de trabalho. Ademais, uma política fiscal expansionista ajudará o Fed a evitar uma depressão ainda maior nos preços dos serviços. As discussões sobre o pacote fiscal ainda estão avançando na Câmara de Deputados e no Tesouro dos EUA.

A nova política monetária do Fed e seus impactos no Valuation

A Lei Humphrey-Hawkins, aprovada pelo Congresso dos EUA, em 1978, determinou os objetivos do Fed (BC dos EUA): a busca do máximo emprego com preços estáveis e taxas de juros de longo prazo moderadas. Historicamente, o Fed persegue uma meta de inflação de 2% ao ano, alinhada com uma taxa de desemprego natural, a qual não tende a pressionar o nível geral de preços. É a famosa curva de Phillips expandida pelas expectativas racionais. Entretanto, na quinta-feira, dia 27 de agosto, durante o Simpósio Econômico de Jackson Hole, o presidente do Fed, Jerome Powell, anunciou uma nova estratégia de política monetária, definindo uma meta de inflação média de 2% ao longo do tempo. Atualmente a economia dos EUA não está alinhada a esse objetivo. Conforme o gráfico a seguir, nos últimos dez anos, a inflação média do CPI foi de 1,74% anualizada. Como consequência, a autoridade monetária estará inclinada a aceitar um processo inflacionário mais intenso no curto prazo, pois o comportamento mais forte dos preços ajudaria no realinhamento das expectativas inflacionárias de longo prazo mais perto de 2,0%.

Fonte: BLS
Nota: CPI para todos os consumidores urbanos, todos os itens (CPI-U).

Como resposta à crise financeira internacional de 2008-2009, o Fed implementou políticas monetárias mais flexíveis com forte expansão de liquidez. Durante a recuperação da crise, a economia passou a registrar processos inflacionários mais intensos a partir de 2011, mas foi um período curto. A economia logo voltou a operar com taxas de inflação abaixo de 2%. Seguindo essa lógica, a adoção de políticas monetárias mais expansionistas para combater os efeitos recessivos decorrentes da pandemia e do isolamento social pode pressionar a inflação norte-americana e mundial no curto prazo. No entanto, no longo prazo, a economia poderá se ajustar com avanço de produtividade, mudança nos contratos dos mercados de trabalho, entre outros, o que poderá contribuir para uma desinflação. É nesse novo cenário de mudanças institucionais e avanços tecnológicos que o BC americano entende que a taxa de juros poderá ficar em um nível suficientemente baixo por um longo período e deixar a economia “rodar” no curto prazo com um processo inflacionário mais forte.

Contudo, há dúvidas em relação à condução da política monetária norte-americana. A primeira delas diz respeito sobre qual média de inflação o Fed vai perseguir. Ainda não está claro se, para o cálculo dessa média, serão dez, cinco ou três anos, por exemplo. A segunda questão refere-se ao comportamento do mercado de trabalho. Qual taxa de desemprego a autoridade monetária considera saudável para o funcionamento da economia? Pode-se trabalhar com uma taxa de desemprego natural específica ou deve-se focar a análise em vários indicadores do mercado de trabalho?

O fato é que uma política monetária focada na manutenção de uma taxa de juros baixa, por um longo período, inundará o mercado financeiro internacional de liquidez. Os impactos positivos sobre as empresas brasileiras estarão expressos em taxa de juros livre de risco menor. Com isso, os fluxos projetados ao longo do tempo, em um estudo de valuation, por exemplo, serão descontados a uma taxa menor. O valor das empresas tende a subir e os investidores terão maior apetite por ativos de risco. Nesse sentido, entende-se que os novos estudos de valor devem incorporar esse cenário para o processo de precificação dos ativos em operação.

A Recuperação do Varejo na Economia Brasileira

Os economistas esperam que o segundo trimestre de 2020 venha apresentar os piores números sobre o desempenho do PIB, em virtude da forte recessão ocasionada pelo corona vírus. Provavelmente, em relação ao mesmo período do ano anterior, o PIB irá cair em torno de 11% – uma retração nunca vista antes em nosso país. Grande parte dessa queda será puxada pelo comércio, principalmente pelas dificuldades enfrentadas pelas pequenas e médias empresas.

Os dados de março e abril, da Tabela 1, indicam quedas das vendas varejistas de 2,8% e 16,3%, respectivamente. Adicionando veículos e material de construção, constata-se que a redução foi maior: 14,0% e 17,5%, respectivamente. Para nosso alívio, em maio, o volume de vendas do comércio varejista nacional mostrou aumento de 13,9%, frente ao mês imediatamente anterior. O resultado foi melhor, considerando o comércio varejista ampliado, com alta de 19,6%. Realmente, as vendas de veículos apresentaram uma significativa recuperação.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria.

As atividades que menos foram afetadas pelos impactos da Covid-19 foram as de hipermercados, supermercados e produtos alimentícios (2,7%) e as de artigos de farmácia e equipamentos médicos (5,3%). Essas atividades, consideradas essenciais, não ficaram paralisadas totalmente durante o isolamento social ou a quarentena mais rígida.

Os setores que mais sofreram estão registrando, a partir de maio, uma excelente retomada. Em especial, as atividades de vestuário (100,6%), móveis e eletrodomésticos (47,5%) e artigos de uso pessoal (45,2%), no comércio varejista restrito. No ampliado, as vendas de veículos e motos (51,7%) e material de construção (22,2%) aumentaram consideravelmente indicando uma retomada mais rápida e vigorosa.

Em linhas gerais, a recuperação de nossa economia, necessariamente, passa pela retomada das atividades do comércio varejista as quais já estamos identificando.

Na série sem ajuste, no confronto com igual mês do ano anterior, o comércio varejista assinalou recuo de 7,2% em maio de 2020 (conforme tabela 1), reduzindo o ritmo de queda de abril de 2020 (-17,1%), terceira taxa negativa consecutiva. O indicador acumulado nos últimos 12 meses, ao passar de 0,6% em abril para estabilidade (0,0%) em maio, sinaliza perda de ritmo das vendas. O comércio varejista ampliado, frente a maio de 2019, mostrou recuo de 14,9% reduzindo o ritmo de queda (-27,4%) frente a abril de 2020, terceira taxa negativa consecutiva. Assim, o varejo ampliado acumulou perda de 8,6% no indicador acumulado no ano de 2020 contra -6,9% no mês anterior. O indicador acumulado nos últimos doze meses, ao passar de 0,8% até abril para -1,0% até maio, registra primeiro sinal negativo para a série desde setembro de 2017.

O aumento de 13,9% no volume de vendas do comércio varejista na passagem de abril para maio de 2020, na série com ajuste sazonal, registrou taxas positivas em todas as 8 atividades pesquisadas, apresentadas a seguir por ordem de magnitude de taxa: tecidos, vestuário e calçados (100,6%), móveis e eletrodomésticos (47,5%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (45,2%), livros, jornais, revistas e papelaria (18,5%), equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (16,6%), artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (10,3%), hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (7,1%) e combustíveis e lubrificantes (5,9%), conforme o Gráfico 3. Considerando o comércio varejista ampliado, em maio, o volume de vendas aumentou 19,6%, frente a abril de 2020, na série com ajuste sazonal, também registrada em ambos os setores que compõem esse indicador (além dos 8 que integram o comércio varejista, descritos acima): veículos, motos, partes e peças registraram crescimento de 51,7% e material de construção  22,2%. Vale ressaltar que os dois setores vinham em queda no mês anterior: -35,8% para o setor de veículos e -1,9% para material de construção.