A reforma da previdência e o futuro do Brasil

Por que as empresas precisam estar atentas ao cenário macroeconômico

Saber para que lado o vento sopra. Entender que caminho a economia do país, e também o mercado internacional, estão seguindo. Essas informações, principalmente a interpretação delas, têm se tornado um grande diferencial para todos os setores. Neste cenário não é possível desconsiderar uma variável importante, a reforma da previdência e suas consequências, para o bem e para o mal.

O economista e sócio da Valuup, Lucas Dezordi, fala sobre todos os aspectos macroeconômicos e quais os caminhos que estão sendo desenhados pelo mercado depois que o novo governo assumiu a direção. Dentro deste escopo o economista faz uma análise crítica da necessidade da reforma e as consequências de um engavetamento do projeto.

A análise traz a reflexão de que não há ciclos econômicos fechados. Os movimentos, mesmo que pareçam distantes, podem impactar diretamente no dia-a-dia do mercado e dentro das empresas. A grande questão é saber qual é o nível de interferência e quais são as decisões que precisam ser tomadas ou adiadas em cada cenário.

A palestra de aproximadamente duas horas, incluindo debates e perguntas, faz um paralelo entre os índices macroeconômicos e a realidade do setor a ser debatido. O objetivo é interpretar as possíveis consequências para cada cenário.

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Artigo Gazeta do Povo: O problema estrutural por trás do leilão da Norte-Sul

Em maio do ano passado, durante a greve dos caminhoneiros, a dependência da cadeia produtiva nacional em relação ao transporte rodoviário ficou evidente. Essa grande concentração no movimento de cargas em caminhões mostrou a necessidade urgente de buscar a diversificação dos modais de transporte e as ferrovias se fazem essencial neste processo. Devido à atual crise fiscal enfrentada, os recursos governamentais direcionados aos investimentos em infraestrutura minguaram e, portanto, escancararam a necessidade da injeção de capital da iniciativa privada.

O leilão realizado em 28 de março foi um sucesso em termos financeiros. A Rumo venceu o certame referente a um trecho de 1.537 quilômetros da ferrovia Norte-Sul, pagando um ágio de 100,92%. Ademais, durante os 30 anos da concessão, a empresa deverá investir R$ 2,72 bilhões em melhorias.

Mas o resultado positivo do leilão não pode esconder um problema crônico no Brasil: a falta de planejamento e gestão de projetos consistentes para investimento de longo prazo. A oferta da Ferrovia Norte-Sul, espinha dorsal do sistema ferroviário nacional, esconde um problema estrutural que limita o aumento da concorrência no processo licitatório. Justifico: como o trecho não tem acesso direto ao mar, a concessionária terá que utilizar duas outras linhas, operadas pela VLI e Rumo. No projeto licitatório, o governo garante por cinco anos a passagem e, depois desse período, o novo operador privado deverá solicitar e negociar o “direito de passagem”. As tarifas relacionadas ao direito de passagem das concessões adjacentes podem tornar o investimento menos rentável e prejudicar a operação, pois grande parte da produção transportada pelo eixo Norte-Sul envolve regiões exportadoras de grãos e fardos de celulose e necessitam de um desembarque final em algum porto.

Que investidor, seja estrangeiro ou não, estaria interessado em fazer esse formato de negócio com o governo brasileiro nessas condições? Não fica difícil concluir que seria uma disputa bilateral entre as duas operadoras que já atuam nas ferrovias brasileiras e que são detentoras das estradas de ferro que dão acesso ao porto.

Não vamos entrar no mérito das empresas – elas estão em seus direitos e aproveitando de suas vantagens, como é justo e próprio da iniciativa privada. O problema não está na empresa e sim no modelo, não percamos o foco. Há discussões judiciais e suspeitas de favorecimentos, mas a discussão aqui é puramente econômica e sobre as necessidades brasileiras, portanto, os aspectos legais e ilações sobre corrupção ficaram fora desta análise.

Este é o primeiro leilão de ferrovia em mais de dez anos. Em um país agrícola, esse dado é desolador. É muito caro transportar commodity por rodovias, o lugar dos grãos é no vagão. Mas estamos demorando muito para entender isso. E quando se faz algo, como é o caso da concessão da Norte-Sul, se faz mal feito. E aí chegamos no centro da discussão: a falta de concorrência nos trilhos. Uma única empresa, no caso a vencedora, poderá colocar seus vagões para rodar – o que torna o transporte ferroviário, em muitos casos, mais caro que o rodoviário. É inconcebível.

Enquanto o mundo caminha para o compartilhamento, o Brasil concede mais de 1.500 quilômetros de malha ferroviária sem direito de passagem por 30 anos. Isso reforça as ilhas de trilhos que temos pelo país. Sem direito de passagem, umas pelas outras, as operadoras não conseguem completar o ciclo logístico por trilhos – e aí tudo acaba caindo nas rodovias novamente.

Segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 30% da malha ferroviária está inutilizada e não tem condição de entrar em operação sem investimento em manutenção. São 28,2 mil quilômetros de trilhos, sendo que 8,6 mil estão enferrujando, à espera dos trens. Grande parte pelo impedimento de passagem e pela impossibilidade de interconexão das malhas. Neste cenário, temos a criação das ilhas de ferro. Aí criamos uma logística ultrapassada que não consegue encerrar seu ciclo e concluir a prestação de serviço. Segundo o estudo, atualmente, apenas 8% das operações são compartilhadas.

Assim, o que deveria significar um grande avanço logístico, infelizmente não terá grande impacto na infraestrutura do país. A concorrência nos trilhos não será estimulada da forma que deveria e as cargas continuarão, na sua maioria, circulando por rodovias. Serão mais 30 anos de mão atadas para a modernização e expansão das ferrovias brasileiras neste trecho.

Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo