Fusões e aquisições no Brasil

Recuperação no 3ºT indica um 4ºT movimentado

Depois de um 2019 com número recorde de fusões e aquisições no Brasil, com um total de 1.231 operações (segundo levantamento da KPMG), a expectativa era de que o ano de 2020 superasse mais uma vez os números anuais alcançados até então. No entanto, ninguém contava com o aparecimento do coronavírus e todos os efeitos decorrentes da pandemia ao redor do globo.

Com a paralisação de empresas e do comércio em escala, resultantes de medidas sanitárias para contenção da Covid-19, a economia parou e o reflexo pôde ser verificado na luta diária das empresas para preservação de caixa, bem como a grande queda do mercado de capitais no primeiro semestre. No que diz respeito às operações de fusão e aquisição, observou-se um cenário pouco atrativo para a abertura ou avanço de negociações com uma redução de 25% nas transações no primeiro semestre de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019 (segundo TTR).

Depois de virada a página do período mais turbulento, encontramo-nos num cenário com a menor taxa básica de juros da história, em que se observa um processo de transferência dos recursos alocados em renda fixa para a economia real. Da mesma forma, com a baixa remuneração dos investimentos, as transações tornaram-se atrativas  exigindo menor retorno dos novos projetos aliados com a redução do valor de empresas mais afetadas pela crise.

Esses fatores acarretaram dois tipos de movimento:

1) Empresas com caixa aproveitando oportunidades de negócio, seja diversificando suas atividades ou então investindo em tecnologia para se adaptar às novas condições impostas pelo distanciamento social;  

2) Empresas que estão vislumbrando oportunidades pela sinergia de suas operações com o intuito de conseguirem se reerguer mais rapidamente – leia mais sobre Sinergia em nosso artigo.

No primeiro caso citado, podemos observar as movimentações da Magazine Luiza que, durante o período de pandemia, já adquiriu seis operações apostando cada vez mais em serviços digitais. Também podemos citar o grande volume de negociações envolvendo startups, com o número recorde de 100 transações em 2020 contra 63 em 2019 e 27 em 2018 (Fonte: Estadão). Neste último caso, essa movimentação ocorre justamente pela necessidade de grandes empresas se atualizarem digitalmente, onde a aquisição de produtos e serviços já desenvolvidos por essas startups, encurta o tempo a ser despendido para reprodução de algo semelhante.

No segundo caso, podemos usar como exemplo a operação envolvendo a Localiza e Unidas, duas empresas do mesmo setor que anunciaram sua união, o que vai gerar um gigante no segmento, aproveitando dos fatores de sinergia originado da transação (aprovação ainda depende do CADE). Outras ocorrências semelhantes podem ser verificadas em setores diferentes.

Visto isso, se no primeiro semestre a queda de transações em 2020 foi de 25% quando comparada com 2019, no acumulado até setembro esse número já reduziu para 15% indicando um mercado de M&A mais aquecido desde julho. Aliado a isso, podemos verificar o grande número de solicitações de registros de ofertas iniciais de ações ou units (65 pedidos segundo a CVM até 25/10/2020), e a grande maioria indicando a intenção de realizar aquisições com o dinheiro captado.

É certo que o impacto da crise foi e continua sendo grande, mas a recuperação está ocorrendo e o último trimestre de 2020 promete movimentar ainda mais a área de fusões e aquisições no Brasil.

Preocupações com a Economia Mundial

A sustentabilidade da recuperação da atividade econômica

Após seis meses do início da pandemia, as principais economias mundiais começaram a indicar uma recuperação mais consistente de suas atividades produtivas. É certo que os países enfrentaram seus períodos mais críticos de contaminação de forma heterogênea. Alguns governos adotaram medidas mais rígidas, outros foram mais flexíveis em relação ao distanciamento social. Em termos econômicos, contudo, a recuperação mundial está ocorrendo de forma mais rápida do que se imaginava. No entanto, indicadores do mercado de trabalho mostram que a retomada está ocorrendo de forma desequilibrada.

Na China, por exemplo, o lado da oferta se recuperou muito rapidamente e acima das previsões iniciais, mas a próxima etapa da consolidação depende do lado da demanda, principalmente do consumo das famílias. O isolamento social causou grandes perdas de renda para muitas famílias de menor poder aquisitivo que não foram compensadas pelos pagamentos de auxílio governamental. Durante o processo de recuperação, essas famílias terão uma maior propensão a poupar, conforme identificado pelo Banco Popular da China, seu banco central. Esse movimento cria uma preocupação adicional, pois restabelecer o nível de demanda para sustentar a rápida recuperação da oferta poderá ser mais complicado. 

Durante a Grande Depressão dos anos 1930, o economista inglês John M. Keynes chamou atenção para esse problema, intitulando-o como o paradoxo da parcimônia. Pela lógica convencional, aprendemos com o tio Patinhas (personagem de Walt Disney) que o excesso de poupança ajuda no enriquecimento das famílias. É claro que poupar e investir bem é fundamental para o acúmulo de riqueza econômica e financeira; porém, movimentos agregados de excesso de poupança, no curto prazo, são recessivos. A preocupação do pensamento keynesiano baseia-se no argumento central de que, em períodos de incerteza, o excesso de poupança das famílias dificulta a retomada da economia. Nesse caso, a melhor maneira de restabelecer o nível de demanda e sustentar uma recuperação consistente passa, necessariamente, por um programa de estímulos governamentais, sustentando o nível de renda disponível das famílias.

O choque econômico do bloqueio da Covid-19 recaiu mais pesadamente sobre as famílias de baixa renda, na China e em outros lugares, tal como nos EUA. Embora os funcionários administrativos pudessem trabalhar em casa e se isolar dos efeitos diretos do bloqueio, dezenas de milhões de trabalhadores na indústria e no varejo perderam semanas ou meses de renda. As horas pagas para os trabalhadores chineses e norte-americanos caíram em um ritmo nunca visto antes consumindo suas economias. Portanto, a retomada da renda poderá gerar uma necessidade racional de restabelecer seus níveis de poupança pré-Covid. 

Os países desenvolvidos vêm relatando uma recuperação mais rápida no nível de vendas de produtos de luxo, eletrônicos, material de construção e automóveis. Em compensação, a recuperação nas compras de vestuário, alimentos e serviços básicos mostrou-se mais estagnada. Nos EUA, a renda pessoal disponível (salário + assistência do governo + seguro-desemprego) caiu 2,7% em setembro comparado a julho. Ademais, a recuperação do mercado de trabalho no terceiro trimestre mostrou perder fôlego, trazendo preocupações quanto ao avanço do consumo das famílias nos próximos trimestres.

Nesse sentido, uma das formas de restabelecer com maior rapidez o nível de consumo das famílias de baixa renda requer a adoção de uma política governamental focada na redução da taxa de desemprego da força de trabalho. Por isso, os estímulos do novo pacote fiscal do Governo dos EUA buscarão injetar US$ 2,2 trilhões, evitando uma piora no desempenho do mercado de trabalho. Ademais, uma política fiscal expansionista ajudará o Fed a evitar uma depressão ainda maior nos preços dos serviços. As discussões sobre o pacote fiscal ainda estão avançando na Câmara de Deputados e no Tesouro dos EUA.

Impairment Test do setor de varejo

Empresas do setor de varejo seguem as normas do CFC

Nossas perspectivas sugerem que teremos uma grande demanda por trabalhos de impairment test de ativo imobilizado e intangível, bem como fair value da carteira de recebíveis, covenants e, em alguns casos, going concern para as empresas.

Esse fenômeno está atrelado aos efeitos financeiros ocasionados pela Covid-19, obrigando as empresas a estimar, reconhecer e registrar perdas oriundas do impacto da pandemia nos negócios. 

O alerta já foi dado em março pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que destacou “a importância de as companhias abertas e seus auditores independentes considerarem cuidadosamente os impactos da Covid-19 em seus negócios e reportarem nas demonstrações financeiras os principais riscos e incertezas.”

Para identificar como essas informações vêm sendo tratadas pelas empresas de capital aberto, selecionamos um setor que supomos sofrer grande impacto: varejo (o segundo artigo da série; para acessar o primeiro – “Viagens e Lazer” – clique aqui), conforme a Classificação Setorial das Empresas Negociadas na B3, disponível no seu site. Analisamos as notas explicativas com o objetivo de constatar a existência de nota específica para o evento Covid-19, suas razões e se houve ou não registro de perda por impairment realizado pelas empresas, de acordo com a tabela a seguir:

Fontes:
As DFs foram disponibilizadas pelas empresas em www.b3.com.br, acessadas em 19/09/20, ou no site das próprias empresas.

Constatamos que todas as empresas do setor de varejo apresentaram nota COVID-19. Entre os fatores mais destacados, referentes aos impactos sofridos e medidas tomadas, encontramos: suspensão de contrato de trabalho, redução de jornada, renegociação de contratos de aluguel e revisão de despesas.

Com exceção de LOJAS MARISA e GRAZZIOTIN, todas as outras fizeram análise de impairment test por meio do fluxo de caixa futuro. Das sete empresas do setor, cinco fizeram teste (72%). Nenhuma delas identificou necessidade de ajuste por impairment test.

Esperamos que as demonstrações financeiras ao longo de 2020 demonstrem adequadamente os efeitos financeiros da Covid-19  conforme recomendado pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade), através das normas NBC TG 01 – Redução ao Valor Recuperável de Ativos, NBC TG 46 – Mensuração do Valor Justo, NBC TG 48 – Instrumentos Financeiros e NBC TG 24 – Evento Subsequente.

Valor de Sinergia

O Valor de Sinergia em processo de M&A

Entre as diversas metodologias existentes para se realizar o Valuation de uma empresa, a que atualmente é a mais completa e aceita pelo mercado é o método de fluxo de caixa descontado, devido à abrangência de variáveis que essa técnica contempla, mitigando as possíveis incertezas que fazem parte do estudo de Valuation.

Dentre essas variáveis, podemos citar o efeito do valor de controle bem como o do valor de sinergia, comum em processos de fusão e aquisição de empresas, que acaba gerando criação de valor para o acionista quando ocorre. 

Neste artigo focaremos no valor de sinergia e suas principais características.

Inicialmente, é necessário definir o conceito de sinergia. De acordo com o dicionário da Oxford Languages, é a “coesão dos membros de um grupo ou coletividade em prol de um objetivo comum”. Ainda, o mesmo dicionário traz a definição da palavra aplicada ao mundo dos negócios: “ação conjunta de empresas, visando obter um desempenho melhor do que aquele demonstrado isoladamente”. Dessa maneira, o termo sinergia, quando praticado no meio empresarial, refere-se a benefícios que duas ou mais companhias conseguiriam ter em conjunto caso ocorresse a união delas.

Tendo o conceito em mente, conseguimos então pensar diversas situações em que ocorre sinergia entre duas empresas: no caso de dois concorrentes se unindo para ganhar mercado; um parque fabril sendo utilizado por duas empresas diferentes para redução de custos; ou então dois clientes que se unem para negociar preços melhores com um determinado fornecedor.

Em uma operação, conseguimos segregar a sinergia em operacional e em financeira. A primeira diz respeito aos casos já citados no texto, que incluem, por exemplo, economia de escala, maior crescimento em mercados novos ou existentes e maior poder de precificação. Já a segunda se refere ao aproveitamento estritamente financeiro, como benefícios fiscais, capacidade de endividamento, ou o fato de a rentabilidade de uma conseguir suportar um investimento maior em outra.

Quando avaliamos empresas em que seja identificável a ocorrência de sinergia decorrente de sua aquisição, fusão ou qualquer outro arranjo societário, é de fundamental importância a sua valoração para que a tomada de decisão na negociação seja realizada de maneira consciente e embasada em premissas pautáveis. Portanto, é imprescindível o estudo de caso de maneira individualizada de cada operação para que sejam identificadas as sinergias provenientes, como o aumento das margens de lucros, a entrada facilitada em novos mercados etc. bem como o momento a partir do qual esse benefício refletirá nos fluxos de caixa das duas empresas em conjunto.

Para conseguirmos então distinguir o valor da operação que será resultante da sinergia, é realizado o Valuation da empresa-alvo de maneira separada, antes do processo de fusão/aquisição (taxas distintas de crescimento, de desconto etc.) e, na sequência, é desenvolvido o Valuation da empresa resultante já considerando o impacto da operação no fluxo de caixa.

Em estudos de sinergia, alguns cuidados devem ser tomados para que o valor justo reflita a realidade. As sinergias geradas devem ser projetadas com um certo grau de conservadorismo, pois é comum que se extrapole no otimismo. Outros cuidados que precisam ser tomados dizem respeito: ao custo de capital das operações, que deve ser realizado antes e depois da empresa resultante; ao acúmulo de caixa, que deve ocorrer sempre na empresa resultante e não na empresa alvo; e a não utilização de uma taxa livre de risco para descontar os fluxos da sinergia visto que fluxos provenientes de sinergia sempre possuem um risco maior.

A Valuup Consultoria é especializada em Valuation e no estudo de valor de controle e sinergias gerados em processo de M&A. Entre em contato para aprofundar o assunto e falar dos desafios da sua empresa.

Boom de Recuperações Judiciais vem mesmo?

Com o alto índice de fechamento de empresas durante a pandemia, pode ser que o boom de Recuperações Judiciais vire um boom de falências

Estamos a quase 200 dias da decretação do estado de calamidade pública no Brasil. O momento de paralisia das empresas e mercados passou, alguns seguimentos se reinventaram, outros simplesmente sucumbem em silêncio. E a sensação que paira no ar é de que o pior já passou e que os índices de confiança começam a retornar. “A prévia da Sondagem da Indústria de setembro sinaliza avanço de 7,2 pontos do Índice de Confiança da Indústria (ICI) em relação ao número final de agosto para 105,9 pontos. Se o resultado se confirmar, esse será o maior valor do índice desde janeiro de 2013 (106,7 pontos)” (IBRE/FGV).

Mesmo com a retomada na confiança, no backstage das Recuperações Judiciais ainda se espera o boom de novos pedidos – no início da pandemia falava-se de mais de 3000 pedidos em 2020. Porém, segundo os dados fornecidos pela Serasa Experian, fechamos agosto com 868 novos pedidos de RJ em 2020. São 68 pedidos a menos do que no mesmo período do ano passado e 367 pedidos a menos do que em 2016, ano com o maior número de pedidos da história: 1863.

Analisando todo o contexto e cruzando algumas informações, começamos a acreditar que vai sim haver um incremento no número de Recuperações Judiciais, mas nada de boom.

Quando analisamos o histórico do PIB versus as RJs requeridas, é possível notar um efeito claro de defasagem temporal[1], ou seja, quando o PIB cai, as Recuperações Judiciais só começam a aumentar nos anos seguintes.



Nessa perspectiva, um PIB como o estimado no relatório Focus do Banco Central nesta semana, sendo -5,05%, acarretaria um boom em 2020/2021. Porém, de 2010 até agosto de 2020, a divisão dos pedidos por porte é 63% de Micro e Pequenas Empresas, como registrado no gráfico a seguir:

Na pesquisa Pulso Empresa do IBGE, foi declarado que “522,7 mil (39,4%) encerraram suas atividades por causa da pandemia, sendo que 518,4 mil (99,2%) eram de pequeno porte”. Assim sendo, os primeiros reflexos econômicos da pandemia foram sentidos majoritariamente pelas pequenas empresas, que não vão pedir o remédio legal da Recuperação Judicial, simplesmente elas vão fechar as portas, fator esse que achata a curva de novos pedidos de RJ e pode levar a um boom nos pedidos de Falências.

[1] É a diferença no tempo de uma ação e o efeito do impacto.