O Papel Do Economista Nos Processos De Recuperação Judicial

O processo de Recuperação Judicial nada mais é que uma reestruturação econômico-financeira que acontece em âmbito judicial. Sendo assim, supostamente, economistas e demais financistas deveriam estar fortemente envolvidos nesses tipos de processos; todavia, por acontecerem em meio judicial, existe um distanciamento dos advogados.

O intuito não é a substituição dos advogados nesse cenário, mas sim a realização de um trabalho em conjunto visando à eficiência do processo recuperacional.

Quando se analisa a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2015), observa-se que sua essência, demonstrada no art. 47[1], busca a preservação da atividade econômica e social da empresa.

O renomado economista Pedro José Mansur destaca que o economista é aquele que “tem capacidade de colocar a serviço da comunidade moderna um conjunto de conhecimentos científicos, acumulados e sistematizados ao longo de toda a história, tanto política, quanto social e econômica”.

Corroborando com a citação, a Lei prevê, no art. 21, que “O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada”. Ou seja, indica os economistas (nominalmente) como profissionais indicados para o processo, constatando-se assim que a essência da lei vem ao encontro das palavras de Pedro José Mansur sobre o que é ser um economista.

Quando observado do ponto de vista prático, o economista (financista) pode auxiliar a recuperanda no período pré-processual lançando mão das seguintes ações:

  • Análise do momento propício para ingresso com o procedimento judicial;
  • Organização dos documentos financeiros necessários conforme o art. 51 (Lei nº 11.101/2015 ;
  • Mapeamento completo de custos e despesas e construção de um orçamento base zero que norteará o novo momento da empresa;
  • Análise da viabilidade econômico-financeira para determinar o melhor caminho a ser escolhido: Recuperação Extrajudicial, Recuperação Judicial ou Autofalência;
  • Estudo do caixa e estoque da empresa para atravessar o momento de escassez que enfrentará com o ingresso de uma Recuperação Judicial.

Com o deferimento do processamento da Recuperação Judicial, o auxílio ganha outro enfoque, sendo:

  • Renegociação das dívidas;
  • Gestão do caixa;
  • Elaboração do Plano de Recuperação Judicial, conforme previsto no art. 53[2];
  • Elaboração do laudo econômico-financeiro, conforme previsto no art. 53, inciso III.

São diversas atividades fortemente ligadas ao profissional de economia e finanças que, aliado a um advogado especializado, pode ser determinante perante um caminho mais ou menos tortuoso, inclusive levando ao sucesso e/ou ao fracasso da reestruturação da empresa.


[1] “Art. 47: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Lei 11.101/2015 (Acesso: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm).

[2] “Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.”

Lei nº 11.101/2015 (Acesso: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm).

Impairment test à vista?

Os ajustes contábeis nos setores afetados para o cumprimento das normas.

Os efeitos sem precedentes causados pela Covid-19 paralisaram as economias ao redor do globo, fechando mercados, interrompendo o comércio internacional e doméstico, forçando o fechamento de empresas e ocasionando demissões em grande escala. Em meio às tentativas do poder público para combater a doença, ocorre, ao mesmo tempo, o equilíbrio para incentivar a economia com o intuito de proteger os brasileiros e brasileiras.

A pandemia redefiniu a forma como vivemos, com adaptações e surgimento de novas rotinas – o novo normal – e com transformações cada vez mais rápidas, impactando fortemente o mercado, principalmente, para setores como entretenimento, viagens, hotelaria, varejo. Entre os diversos sintomas sentidos pelas empresas estão, entre outros, a queda drástica de receita, dívidas vencidas, ativos se tornando obsoletos ou improdutivos. Levando em conta esse cenário, levanta-se a questão: os ativos em balanço ainda refletem o seu valor registrado?

Com exceção de ágio e ativos intangíveis, para os quais é necessário um teste de redução ao valor recuperável anual, o CPC 01 exige que as entidades avaliem, no final de cada período contábil, se há qualquer indicação de redução ao valor recuperável – impairment test – para todos os outros ativos.

Um ativo sofre perda de valor quando uma entidade não é capaz de recuperar seu valor contábil (valor no balanço patrimonial) usando-o ou vendendo-o. O valor recuperável é o maior entre o valor justo do ativo (ou grupo de ativos) menos os custos para comercialização – comissões, fretes, desmonte – e o seu valor em uso (calculado através do fluxo de caixa descontado). Para essa última metodologia citada, vale ressaltar que as previsões de fluxo de caixa podem, nesse momento, ser substancialmente – senão completamente – diferentes dos orçamentos pré-Covid ou existentes.

Os ativos devem ser testados sempre que um indicador de redução seja identificado, seja ele interno ou externo, como por exemplo:

  • Problemas na cadeia de abastecimento;
  • Redução da expectativa de crescimento da economia no setor em que a empresa atua;
  • Aumento do risco de inadimplência;
  • Plantas com perspectivas de alta na capacidade ociosa;
  • Restrições de bloqueio em viagens e transporte.

Como parâmetro para a tendência do impairment test, pode-se usar como exemplo o mercado norte-americano, onde já se observam, nas divulgações de resultado, as baixas contábeis por perda no valor recuperável de seus ativos, em que as petroleiras foram as grandes afetadas, mas também podem ser citadas outras companhias como a Disney, Kraft Heinz, , entre outras.

Já no mercado brasileiro os primeiros sinais vieram através das divulgações do primeiro trimestre dos bancos; e, no segundo trimestre, já é possível observar um aumento do aparecimento do impairment test, como divulgado pela Marcopolo e Vulcabras Azaleia.

A Valuup acredita que, no cenário atual, grande parte das empresas que teve suas operações afetadas terá que testar seus ativos no ano de 2020, principalmente os setores – e suas respectivas cadeias – que estão sentindo os efeitos da restrição de mobilidade.

Nesse sentido, a orientação é que se faça uma análise cautelosa do futuro, para que as projeções de fluxo de caixa esperado reflitam ao máximo os riscos e incertezas, e que se tenha uma atenção especial com a recuperabilidade dos ativos, pois sua mensuração é de fundamental importância para o entendimento da situação atual e uma valiosa ferramenta para tomada de decisão.

O Papel Do CFO No Processo De Recuperação Judicial

No último dia 30 de junho, o IBEF realizou o evento online, O Papel do CFO no Processo de Recuperação Judicial, organizado pelo Comitê de Finanças.

Os debatedores convidados foram:

  • Dr. Daniel Carnio Costa – Juiz Titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo;
  • Luiz Antonio Cavet – CFO da Cocelpa;
  • Fábio Mazzini –  Diretor Presidente da Mangels;
  • Tiago Schuelter – Vice-Presidente Executivo da Taipa FIDC.

O mediador do debate foi Luís Gustavo Budziak, sócio da Valuup Consultoria e membro do Comitê de Finanças do IBEF.

O primeiro debatedor foi o Dr. Daniel Carnio Costa, que trouxe uma rápida contextualização sobre as opções legais para empresas em crise: falência e recuperação: judicial e extrajudicial.

Destacou que a essência dos processos de recuperação, sejam judiciais ou extrajudiciais, é garantir a manutenção da função social das empresas desde que se demonstrem viáveis dos pontos de vista econômico e financeiro.

O magistrado elencou quatro estratégias e riscos que um CFO deve conhecer para poder se preparar previamente para um processo de recuperação judicial:

  1. Fontes de financiamento –
    • FIDC
    • Credores (via plano de recuperação judicial)
    • Alienação de ativos, UPIs (Unidades Produtivas Isoladas)
  2. Riscos do ajuizamento, a exemplo de uma possível convolação em falência por rejeição do plano em assembleia geral de credores;
  3. Estabelecimento claro e transparente de diretrizes de recuperação;
  4. Possibilidade de negociação coletiva (plano de recuperação judicial) quando não funciona mais a negociação individualmente.

O CFO da Cocelpa, Luiz Antonio Cavet, ressaltou a necessidade de apresentação de um “fato novo” para que o mercado possa ver que a empresa tem meios de se recuperar. Da mesma forma, pontuou que a transparência frente a todos os agentes é fator determinante para que o caixa possa se recompor.

O CFO apontou as três frentes que, necessariamente, devem ser trabalhadas:

  1. Reestruturação da empresa dentro do plano, com foco em ações para geração de caixa;
  2. Tesouraria: foco em encontrar funding (criando credibilidade);
  3. Prova da viabilidade econômico-financeira da empresa e que (qual?) plano é factível para o mercado.

Fábio Mazzini falou sobre a sua experiência com a recuperação judicial da Mangels, já levantada, e ainda em fase de cumprimento do plano aprovado.

Salientou que, na sua experiência, o “fato novo” foi a criação do time interno de reestruturação, não utilizando consultoria ou empresas especializadas, sendo transparência a palavra de ordem (termo comum em todas as falas).

O time de reestruturação da empresa atuou em duas frentes – negociação e reestruturação – trabalhando com sete pilares:

  1. Estabilização da crise, implantando controles rígidos, redução de custos e mudando a mentalidade de toda a empresa;
  2. Liderança, substituição de executivos;
  3. Transparência e comunicação, visitas e conversas para restabelecer o elo com o mercado;
  4. Foco estratégico, quais produtos manter e quais investimentos fazer – 1ª fase: O que é necessário somente para sobrevivência; 2ª fase: investimento preventivo; 3ª fase: investimento em atualização;
  5. Mudança organizacional, gestão mais horizontal;
  6. Melhoria dos processos críticos: Onde otimizar e melhorar o processo?
  7. Reestruturação financeira, minimizando capital de giro e trabalhando com o lema: “Caixa é o rei”. Tudo na ponta do lápis, gestão de caixa diária, o que pagar e não pagar.

O vice-presidente da Taipa FIDC, Tiago Schuelter, finalizou o evento trazendo o seu entendimento pontuando que o momento mais difícil para uma empresa em recuperação judicial é o começo do processo.

Explicou que essa dificuldade provém da sensação, pelo mercado, de eventual “calote”.

Alinhado com os demais debatedores, destacou que o mais importante é que a empresa em recuperação judicial demonstre a geração de resultados e de possibilidade de continuidade.

Novamente a palavra transparência foi trazida ao debate como uma forma de angariar a confiança dos stakeholders.

Schuelter trouxe sua perspectiva como fomentador de empresas e, na mesma linha do Dr. Daniel Carnio Costa, apresentou as seguintes soluções para financiamento:

  • Venda de ativos, prática e segura (sem sucessão)
  • Operação com fundos de investimento

Na sua fala, mencionou que cada caso deve ser analisado de acordo com a sua realidade, afinal, a situação de cada recuperanda é sempre peculiar. Sua análise passa pelas demonstrações financeiras e também pelo balanço como sendo um retrovisor das operações passadas, contudo, sem demonstrar as perspectivas para o futuro.

Na sua visão, o determinante para disponibilizar ou não um fomento é analisar quais são as perspectivas futuras para determinada empresa, ou seja, em qual mercado está inserida, qual posição de mercado ocupa e quais diferenciais tem a oferecer.

As falas dos debatedores que tiveram as mais variadas experiências apresentaram um ponto basilar de convergência, qual seja, a necessidade de transparência na condução dos processos de recuperação judicial.

Além disso, em que pese o objetivo primordial, seja a manutenção das atividades da empresa e consequentemente a sua função social, ficou muito claro nas falas dos debatedores que o processo de recuperação judicial, por si só, não é uma solução se não estiver alinhado com um trabalho profundo de reestruturação bem planejado e executado.

Caso tenha interesse, assista ao evento na íntegra pelo canal do IBEF-PR no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=83lx625jMU4

Por Fernando Balotin e Luciana Kishino